Não há música no inferno, pois toda boa música pertence ao céu.
Brigham Young¹
Um povo que sempre se dedicou à música como forma de entretenimento e adoração, os santos dos últimos dias não escapam das influências culturais que os cercam. Hoje se celebra o Dia (supostamente) Mundial do Rock. O tema é trivial, mas mostra como pronunciamentos de líderes da Igreja podem refletir o pensamento de sua geração e como a Igreja é também capaz de aproveitar de forma positiva uma influência antes denunciada como nefasta.
Em 1972, quando o rock era ainda uma força criativa e contestatória, o apóstolo Ezra Taft Benson advertiu os estudantes da BYU contra a natureza satânica do rock:
Música rock, com seu apelo físico instantâneo, é ideal para romper as portas, porque o diabo sabe que a música tem o poder de enobrecer ou corromper, para purificar ou poluir. Ele não vai se esquecer de usar o seu poder sutil contra você. Seus sons vêm do mundo tenebroso das drogas, imoralidade, obscenidade e anarquia. Seus sons estão inundando a terra.²
O élder Benson, nascido em 1899, se opunha à integração racial nos EUA e é possível que sua percepção do rock também estivesse ligada às suas visões racistas, já que o rock era originalmente um estilo de música negra. Além das implicações para a exclusão de negros do sacerdócio, Benson via a integração racial como uma arma comunista. Também se deve levar em conta a forte oposição à Guerra do Vietnã à época da declaração acima. E o movimento anti-guerra – incluindo o movimento hippie, embalado pelo rock – seria, na opinião dos extremistas de direita, outra ferramenta comunista para destruir a sociedade norte-americana. Benson acreditava que rock estava à serviço dos comunistas? Não sei. Mas a inusitada concepção do rock como ferramenta da ideologia marxista era partilhada por outros cristãos nacionalistas, como mostra o livro ao lado.
Muito mais moderado em suas visões políticas e distante daquele ambiente de contestação, Gordon B. Hinckley ainda assim sugeriu, em 1991, que o rock não seria uma música a ser apreciada por santos dos últimos dias. Em uma coletânea de seus ensinamentos na presidência da Igreja, publicada em 1997, há este conselho:
Apreciem a música. Não o “rock and roll”, mas a música dos mestres, a música que tem sobrevivido através dos séculos, a música que eleva as pessoas. Se você não gosta desse tipo de música, ouça-a novamente e continue ouvindo-a. Será algo como ir ao Templo. quanto mais você vai, mais bela será a experiência.³
Não sei que motivações poderiam estar por trás da afirmação do presidente Hinckley. Políticas, imagino, nenhuma. E se ele entretinha alguma caracterização espiritual do rock, consciente de sua imagem pública, absteve-se de dizer. Quem sabe, não se trataria de um mero conflito (estético) de gerações?
Em anos recentes, a campanha “Eu sou mórmon” mostra que, ao menos externamente, a Igreja não vai dizer nada contra o rock. Ao contrário. Em alguns perfis de brasileiros que participam da campanha, há referências ao seu gosto musical, como do rapaz que afirma “ir ao instituto [de Religião] e escutar o bom e velho rock’n roll.” E o mais famoso mórmon participando da campanha é justamente um roqueiro profissional - Brandon Flowers, vocalista da banda The Killers. Ou seja, o que foi denunciado por Ezra Taft Benson e desaconselhado por Gordon B. Hinckley hoje ajuda na campanha de publicidade da Igreja.
Provavelmente, o gosto musical da maioria das autoridades gerais não passou a incluir rock, mas os marqueteiros profissionais em Salt Lake parecem ter maior autonomia para fazer suas campanhas. Também precisamos reconhecer que, após mais de meio século de vida, o rock já não incomoda e é muito mais norma do que contestação. Quem sabe em alguns anos não veremos o Coro do Tabernáculo interpretando clássicos dos Beatles ou Elvis?
NOTAS
1. Journal of Discourses 9:244
2. BYU Ten-Stake Fireside, Provo, Utah, 7 de maio de 1972.
3. Teachings of Gordon B. Hinckley, Deseret Book, 1997, p. 395
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